Matéria exibida no Fantástico em 19.09.10.
Chás podem fazer mal à saúde. Muitos chás não tem comprovação científica de sua eficácia. Um desses é o chá da mãe-boa.
“No imaginário popular, a medicação natural não tem riscos. Isso não é verdade. Isso precisa ser desconstruído. Em tese, ela é mais perigosa”, alerta o presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Raymundo Paraná.
A planta que o povo conhece com o nome de mãe-boa é rasteira, cresce na beirada do mato. Um chá desses parece uma coisa inocente. Mas a verdade é que a mãe-boa nunca havia sido estudada. Os trabalhos feitos na Universidade Federal da Bahia (UFBA) mostraram que ela contém diversos componentes tóxicos para o fígado. Foi o uso continuado desse chá que destruiu o fígado de Lindiane.
“Foi uma doença muito rápida, coisa de dias”, conta a cabeleireira, de 26 anos. Ela vive com o marido no mesmo bairro da mãe e da irmã, Pirajá, na periferia de Salvador, Bahia.
“Eu estava bem de saúde. De repente, dormi. Quando acordei, estava toda amarela”, lembra Lindiane.
A pessoa que recebe uma prescrição das mãos de um médico confia. Não imagina que vai tomar um produto tóxico. Como um médico tem coragem de receitar um chá que nunca foi estudado? Um chá de toxicidade desconhecida?
Receitar qualquer medicamento, seja derivado de plantas ou não, sem conhecer as ações e os possíveis efeitos indesejáveis é inaceitável, é antiético.
“A medicina até pode ser chamada de alternativa, mas a ética não. A ética não é alternativa. A ética é igual para todo mundo”, ressalta Paraná.
“Em um sábado, eu senti dor nas pernas. No domingo já estava toda amarela. Os olhos e o corpo já estavam diferentes. A urina estava escura”, descreve Lindiane. “Foi então que começaram a descobrir que o problema era no fígado. Eu fiquei internada”.
Um dos lobos do fígado de Lidiane estava completamente necrosado. O resto do órgão estava muito alterado. O fígado inteiro da cabeleireira pesava cerca de 420 gramas, quando um órgão saudável pesa mais de 800 gramas.
No Brasil, a estimativa é de que ocorram três vezes mais transplantes de fígado pelo uso de plantas do que pelo uso de medicamentos convencionais.
“O problema pode ser ainda maior porque boa parte dos indivíduos que chegam a esses centros com hepatite chamada grave ou fulminante não reporta o uso dessas medicações, porque considera essas medicações absolutamente inocentes”, diz Paraná.
“Ela disse que o transplante tinha que ser feito com urgência. Eu tinha que conseguir um fígado com urgência, porque não sabia se eu ia passar daquele dia”, conta Lindiane.
A cabeleireira teve muita sorte. Foi salva por um fígado que chegou a tempo e hoje está curada.
O Brasil tem 119 laboratórios que fabricam fitoterápicos. A Anvisa, órgão do governo responsável pela fiscalização de medicamentos, já aprovou 512 remédios produzidos a partir de 162 plantas diferentes. Além desses fitoterápicos, a Anvisa aprovou este ano uma lista de 66 plantas e ervas para fazer chás, com as mais diversas e imprecisas alegações terapêuticas. Elas receberam o nome de drogas vegetais.
“O mundo inteiro tem interesse em fitomedicamentos. Os médicos reclamam que é preciso realizar mais estudos de segurança eficazes“, diz o pesquisador João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina.
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